Os vírus, em geral, têm uma capacidade extraordinária de sofrer mutações, que significa uma mudança em seu código genético ocasionada durante o processo de replicação dentro da célula hospedeira. Essa mutação pode resultar em maior transmissibilidade, ou um aumento da capacidade de replicação ou numa maior capacidade de livrar-se do sistema imunológico. Nesse último caso, resultando numa menor eficácia de vacinas que foram desenvolvidas a partir do vírus original.
No caso do Sars-CoV-2 não foi diferente. Acompanhamos desde o início da pandemia mutações como a Alfa (B.1.17, identificada em setembro de 2020, no Reino Unido), Beta (originária da África do Sul), Gama (denominada P1, identificada originalmente no Brasil), Delta (B.1.617.2, caracterizada com um alto poder de transmissibilidade e foi responsável por 80% dos casos nos EUA e relacionada também ao aumento de casos aqui no Brasil, como visto no caos ocorrido em Manaus no início de 2021), e a mais recente, a variante Ômicron (B.1.1.529).
A variante Ômicron do vírus da COVID-19 foi detectada inicialmente na África do Sul, em novembro de 2021, e é caracterizada por um grande número de mutações (cerca de 50 alterações genéticas) a maioria delas na proteína Spike, particularmente na região que reconhece os receptores na célula humana. A partir de evidências encontradas ainda em poucos trabalhos, sugerem que essa mutação resulte em maior poder de transmissibilidade quando comparados as outras mutações prévias.
A partir da introdução da variante Ômicron, o que se viu foi um aumento exponencial de casos no mundo, e não obstante aqui no Brasil, apesar dos números relacionados a vacina serem animadores, hoje com 76,4% da população com a primeira dose e 69,5% com quadro vacinal completo. A figura 1 apresenta o aumento de casos de infecções diárias e a média móvel (últimos 7 dias) no Brasil durante o período da pandemia, observa-se que no início de janeiro tínhamos uma média de aproximadamente 7 mil casos diários, passando para 150 mil casos diários em apenas 23 dias, aumento de aproximados 2 mil por cento.
A introdução dessa nova variante, supostamente mais transmissível, agravado pelo relaxamento do distanciamento social e os cuidados no uso de máscaras, explica esse aumento de casos atualmente, que se compararmos ao maior pico de casos ocorrido no Brasil em julho de 2021, que foi de aproximados 80 mil casos diários, os números de hoje são 87% maiores.
Porém, em relação ao número de mortes, as estatísticas são bem diferentes. A figura 2 apresenta o número de mortes diárias no Brasil e a média móvel (últimos 7 dias), nota-se que no início de abril de 2021 a média móvel foi de 3,2 mil mortes diárias, reduzindo para o patamar de 97 mortes em janeiro de 2022. Com a introdução da variante Ômicron, a mortalidade aumentou consideravelmente para as atuais 365 mortes diárias, um aumento de 270%.
No entanto, relativizando a estatística dos óbitos, analisando a letalidade (número de óbitos/número de casos x 100), considerando o pior momento do número de mortes (abril de 2021), a letalidade era de 4,2% (3.117 óbitos/75.000 casos), passando para 1,24% (97 óbitos/7.827 casos) em 01 de janeiro de 2022, e com a introdução da variante Ômicron, considerando os dias atuais, a letalidade é de 0,27% (365 óbitos/137.000 casos). Parte da redução da letalidade é explicada pelo maior número de testagem hoje em dia quando comparado ao início de 2021, o que favorece a uma superestimação da letalidade no início da pandemia; mas como explicar uma redução tão importante na letalidade da doença senão pelo efeito da vacinação, mesmo considerando o víes mensionado acima. Vale salientar que em abril de 2021 apenas 3% da população brasileira estava com quadro vacinal completo e hoje, com aproximados 70% da população.
Figura 1. Número de óbitos diários e média móvel por COVID-19 no Brasil do início da pandemia até os dias atuais
A OMS no início da introdução da Ômicron no mundo declarou que essa variante tinham um maior poder de infecção, porém com menor letalidade, voltando atras dessa declaração poucos dias depois. O que se viu foi uma maior mortalidade entre não vacinados, o que nos remete a crer que essa mutação é tão letal quanto as outras mutações e que os menores números de mortes têm um papel importante da proteção pela vacina.
Um artigo recém disponibilizado na revista Edinburg Research Explorer (ainda em pré-print), intitulado “Severity of Omicron variant of concern and vaccine effectiveness against symptomatic disease: national cohort with nested test negative design study in Scotland” teve como objetivos estimar a severidade da infecção pela variante ômicron a partir do acompanhamento de indivíduos positivos para COVID-19 comparando a frequência de admissão hospitalar (severidade) entre positivos pela variante Delta (n = 126.511 infectados) e Ômicron (n = 23.840 infectados); e a eficácia da vacina contra doença sintomática e internação a partir de um estudo de caso controle (figura 3).
Figura 3. Desenho de estudo aplicado para os diferentes objetivos do artigo
O estudo chegou aos seguintes resultados:
- A taxa de possível re-infecção para a variante ômicron (7,6%) foi 10 vezes maior quando comparada a variante Delta (0,7%);
- No que se refere a taxa de hospitalização, a variante Ômicron apresentou 68% menor probabilidade de admissão hospitalar quando comparada a variante Delta;
- No que se refere a proteção da vacina contra infecção (doença sintomática) pela variante Ômicron, a Odds Ratio foi de 0,57 (IC 95%: 0,53 – 0,61) para indivíduos com quadro vacinal completo a mais de 90 dias, e uma Odds Ratio igual a 0,25 (CI 95%: 0,20 – 0,32) para indivíduos com quadro vacinal completo entre 28 e 90 dias. Ou seja, indivíduos vacinados tem 43% menor chance de ser infectado pela variante ômicron com mais de 90 dias de vacinado e 75% menor chance quando quadro vacinal foi completo mais recentemente.
O estudo sugere que a variante Ômicron está associado a uma redução de dois terços no risco de hospitalização por COVID-19 quando comparado ao Delta. Embora ofereça a maior proteção contra Delta, a terceira dose/reforço de vacinação oferece proteção adicional substancial contra o risco de COVID-19 sintomático para Omicron quando comparado a indivíduos com mais de 25 semanas após a segunda dose de vacina.
Concluindo, o que conhecemos pelas evidências que temos até o momento é que a variante Ômicron tem um maior poder de transmissão, menor potencial de desenvolver casos mais graves, e que as vacinas disponibilizadas oferecem proteção significativa para infecção e casos graves. Apesar disso, por conta desse maior poder de transmissibilidade, o sistema de saúde não suporta o volume de casos mesmo que tenham menor chance de admissão hospitalar. O que temos que fazer é continuar nos protegendo tomando as vacinas e as doses de reforço, usando máscara e mantendo o distanciamento social, quando possível.
Se cuidem que a pandemia não acabou.